Fórum independente vocacionado para a discussão de ideias e promoção de todo o género de eventos culturais e de intervenção cívica.
Os gatos reunem todas as Sextas-feiras, na Miragaia, em Angra do Heroísmo.
30.12.04
Gatonima
Para além dos comentários não necessitarem mais de ser anónimos, a Gatonima tem agora a possibilidade de colocar os seus textos no Tiribé. Contamos com isso, ansiosamente.
28.12.04
leituras em férias
PATAGÓNIA EXPRESS, de Luís Sepúlveda, escritor chileno, recorre a apontamentos de viagens para compilar um livro dividido em quatro partes: Apontamentos de uma viagem a lado nenhum, Apontamentos de uma viagem de ida, Apontamentos de uma viagem de regresso e Apontamentos de Chegada.
Segundo o autor, trata-se de apontamentos que ficaram nos recantos da estante, uns rabiscados, outros pessimamente dactilografados e que encerravam “a tentativa de compreensão do sentido da condição de homem e a compreensão do sentido da condição de artista”.
Sepúlveda convida-nos a acompanhá-lo “numa viagem sem itinerário fixo, junto de todas aquelas pessoas estupendas que aparecem com os seus nomes, e de quem tanto aprendi e continuo a aprender.” É uma dessas histórias que aqui transcrevemos.
A norte de Manantiales, povoado petrolífero da Terra do Fogo, levantam-se as doze ou quinze casas de uma calheta de pescadores chamada Angostura. As casas são habitadas apenas durante o curto Verão austral. Depois, durante o fugaz Outono e o longo Inverno, não são mais do que uma referência na paisagem.
Angostura não tem cemitério, mas tem uma pequena sepultura pintada a branco e virada para o mar. Nela descansa Panchito Barria, um menino falecido aos onze anos. Em todo o lado se vive e se morre – como diz o tango “morir es una costumbre” -, mas o caso de Panchito é tragicamente especial, porque o menino morreu de tristeza.
Antes de fazer três anos Panchito teve uma poliomielite que o deixou inválido. Os pais, pescadores de San Gregorio, na Patagónia, atravessavam todos os verões o estreito de Magalhães para se instalarem em Angostura. O menino viajava com eles, como um vulto amoroso que permanecia colocado nuns cobertores a olhar para o mar.
Até aos cinco anos Panchito Barría foi um menino triste, insociável, e quase nem sabia falar. Mas um bom dia ocorreu um desses milagres habituais no sul do mundo: uma formação de vinte ou mais golfinhos austrais apareceu durante Angostura, deslocando-se do Atlântico para o Pacífico.
Os naturais do lugar que me contaram a história de Panchito afirmaram que, mal os viu, o menino soltou um grito dilacerante e que, à medida que os golfinhos se afastavam, os seus gritos aumentavam em volume e desconsolo. Finalmente, quando os golfinhos desapareceram, da garganta do menino saiu um guincho agudo, uma nota altíssima que assustou os pescadores e espantou os cormorões, mas que fez regressar um dos golfinhos.
O golfinho permaneceu diante de Angostura durante todo aquele Verão. E quando a proximidade do Inverno ordenou que abandonasse aquele lugar, os pais de Panchito e os outros pescadores comprovaram com assombro que o menino não manifestou o menor indício de pena. Com uma seriedade inaudita para os seus cinco anos, declarou que o seu amigo golfinho tinha de partir, pois de outra forma seria apanhado pelos gelos, mas que no ano seguinte regressaria.
E o golfinho regressou.
Panchito mudou, tornou-se um rapaz loquaz, chegou a brincar com a sua condição de inválido. Mudou radicalmente. As suas brincadeiras com o golfinho repetiram-se durante seis verões. Panchito aprendeu a ler e a escrever, a desenhar o seu amigo golfinho. Colaborava, como os outros meninos, na reparação das redes, preparava lastras, secava mariscos, sempre com o seu amigo golfinho a saltar na água, realizando proezas só para ele.
Certa manhã no Verão de 1990 o golfinho faltou ao encontro diário. Alarmados, os pescadores procuram-no, rastrearam o estreito de ponta a ponta. Não o encontraram, mas tropeçaram num barco-fábrica russo, um dos assassinos do mar, navegando muito perto da segunda angustura do estreito.
Dois meses depois Panchito Barría morreu de tristeza. Extinguiu-se sem chorar, sem balbuciar uma queixa.
Eu visitei o seu túmulo, e dali olhei para o mar, para o mar cinzento e agitado do Inverno incipiente. O mar onde até há pouco retouçavam os golfinhos.
in SEPÚLVEDA, Luis, Patagónia Express, edições ASA, 12.ª edição, pp. 100-10225.12.04
PRENDA DE NATAL
(a pedido de alguns amigos que tiveram a oportunidade de saborear o lírio na passada 5.ª feira, aqui se partilha a receita. As quantidades foram definidas a posteriori, pois isto de cozinhar implica sempre improviso)
LÍRIO ASSADO PARA OS AMIGOS
Ingredientes:
1 lírio q.b. para o número de amigos que vamos receber
2 cebolas
2 cabeças de alho
1 garrafa de vinho branco
400 gr de tomatada
água
1 ramo de salsa
150 gr de manteiga
sal grosso
Modo de fazer:
Vai-se ao mercado do peixe pela manhã para podermos escolher o peixe ideal nas valências tamanho, espécie e frescura. Manda-se escamar, cortar as barbatanas e a cabeça e fazer uns cortes no sentido transversal. Paga-se e leva-se para casa.
Coloca-se o peixe no tabuleiro ou travessa de ir ao forno e tempera-se com o sal, introduzindo-o nos cortes e em volta. Deixa-se repousar até à hora de ir ao forno.
Descascam-se e cortam-se as cebolas às rodelas e descascam-se e cortam-se os dentes de alho em lâminas.
Antes de ir ao forno, barram-se os cortes com metade da manteiga e introduz-se-lhes o alho. Coloca-se o resto da manteiga aos cubos, a cebola e a salsa no interior do peixe e à sua volta. Dissolve-se a tomatada com metade do vinho e junta-se-lhe.
Leva-se ao forno a assar.
Junta-se o restante vinho a igual quantidade de água e guarda-se para ir regando o peixe, à medida que o molho evapora.
Quando estiver assado retira-se do forno e serve-se de imediato acompanhado com batata doce - essa receita será aqui colocada pela Luna.
21.12.04
azares, bruxarias, coincidências, astros, horóscopos, previsões e outras coisas que tais quando se aproxima um novo ano
19.12.04
No estaleiro
Oito pontos no lábio e um ar de miss piggy.
17.12.04
Fazedores de opinião
Fazem cair governos? Interferem nos índices per capite dos países? Aumentam o bem estar das populações? Diria que só alguns, muito poucos. Os restantes falam para si próprios e nem sei se se convencem.
8.12.04
Feriados e compras
Em 2004, muitos destes feriados coincidiram com o fim-de-semana, mas este mês foi excepção e proporcionou-nos duas semanas com feriados à Quarta-feira, dividindo a semana a meio. Aliviou, e de que maneira, o stress do trabalho, principalmente para aqueles que tinham a secretária cheia após umas férias revigorantes.
Os que aproveitam este dia para se iniciarem na corrida das compras do Natal estarão amanhã, seguramente, mais estafados do que se tivessem ido trabalhar regularmente. Para esses o meu conselho - comprem as vossas prendas ao longo do ano, aproveitem, por exemplo, as férias para adquirirem algo de diferente para os vossos entes queridos.
6.12.04
5.12.04
Finalmente consigo blogar
29.11.04
Regresso
Estou de volta e em forma, pelo que contem com um serão de Sexta-feira animado. Prometo relatos escaldantes.
15.11.04
Namibia
7.11.04
Receituário (3)
Outros se lhes juntarão nas próximas semanas até atingirem o ponto ideal.
morreste comigo
respiro-te
museu frásico
fim corrigido
solene mausoléu
colher-te
so sego
amu o
ex-posto
por dizer
margem curva
grato tormento
se lados
eu és
saguão ladrilhado
subo descendo
começo aqui
silêncio rubro
outra mão
esta magnólia
relva interior
apeteceste-me
dormes sossegadamente
acendo-te
dois sangues
álacre odor
abres figos
lençol solto
especiarias finas
espelho líquido
entre nós
volúpia audível
setembro lento
mogno magma
cede seda
chão brasil
minha taça
digo paz
lua polar
23.10.04
Miragatos são notícia
A primeira entrevista para a rádio surgiu ontem, a seguir veio novo convite para estarmos presentes num evento cultural no próximo fim de semana na Pousada da Juventude.
Hoje à noite, segundo a informação no site da Carmina (nome de avó) os “Miragatos: objectos de culto” vão reunir-se, na Carmina Galeria, para um serão cultural. Está previsto a projecção de um documentário em vídeo da autoria de Paulo Henrique Silva, tratando aspectos da ruralidade na contemporaneidade: o ciclo do vinho, do tabaco e do barro.
Vamos, então, até lá rugir um pouco e, essencialmente, falar de coisas maiores.
19.10.04
Receituário (2)
ingredientes
cartão com 2 mm de espessura do tamanho de uma folha A4
4 meadas de lã multicolor, de preferência bem fofa
1 par de agulhas de tricotar
confecção
Corta-se o cartão em 2 na vertical e deixa-se descansar. Tricota-se, em ponto de gato, 2 peças em lã com as dimensões de 30x21 cm. Cosem-se as orlas das peças, fechando-as, separadamente, inserindo o cartão por dentro.
As capas ficam prontas para serem presas ao miolo, contudo tem de se aguardar até nova sessão dos gatos, que inventarão como fazê-lo.
6.10.04
Trabalhos de mãos - receituário (1)
Receita de um livro feito à mão:
ingredientes para o miolo
38 folhas de papel de 230 x 325 mm, com 300 gr/m2
cordel
agulha grossa
régua
furador
confecção
Dobram-se as folhas ao meio na vertical e vincam-se bem. Dividem-se por 6 cadernos de 3 folhas cada e fazem-se 6 furos nesse vinco, 2 ao meio, com a distância de 1 cm entre eles, e os restantes nos pontos equidistantes entre as suas margens e o centro. Cosem-se os cadernos separadamente com o cordel nos furos executados anteriormente e depois de cosidos prendem-se uns aos outros. Findo este trabalho está o miolo pronto com 76 páginas à espera de serem escritas.
Deve deixar-se repousá-lo debaixo de um objecto plano e pesado até à sessão seguinte dos gatos.
26.9.04
A alma
Partiu de manhã cedo, como quando viera, com a mesma bicicleta ruidosa que o Parcio lhe emprestara. Mas foi uma viagem de regresso sem imaginações, e pareceu-lhe longuíssima.
Quando chegou aos declives do Pausillo, sentiu um grande cansaço e parou à sombra de uma amoreira, porque notou que algo a atacava por dentro, algo que não tinha nada a ver com os órgãos do corpo. Era algo de imaterial e não podia ser outra coisa senão a sua alma.
Alcina acreditara sempre na alma, mas considerava-a sobretudo um meio para conhecer tudo excepto ela própria. E se agora se sentia tão cansada era porque a sua alma se estava rebelando, e usava todo aquele mal-estar para a fazer compreender que a memória e a vontade dos homens eram as suas faculdades principais, e eram meios verdadeiramente extraordinários para obtermos um conhecimento mais íntimo daquilo que somos. Então, Alcina compreendeu que a alma se lhe estava revelando com explicação da vida e da morte, e que a estava consolando recordando-lhe muitas coisas. Sem saber porquê concentrou-se de repente na ideia do sonho, que lhe parecia ser a mais convincente. Pensou que no sonho o homem se move na imobilidade do sono, e que dessa maneira espantosa se encontra com os seus defuntos. Alcina não compreendeu como é que era possível que uma ideia tão simples conseguisse convencê-la e no entanto assim era, a capacidade que os mortos tinham de aparecer nos sonhos dos vivos deu-lhe a certeza de que alguma coisa deles sobrevivia de facto e que a alma era sem dúvida imortal e verdadeiramente participante do divino.
in Petri, Romana, Case Venie, Cavalo de ferro, 2004, 1.ª edição, p. 181
6.9.04
Setembro
"Cheira à caruma, ao verde do milho, ao sangue das uvas inchadas que o lavrador despiu da parra, aos figos esgaçados, às abóboras e aos mogangos, à tomatada que, no alpendre da casa, está dependurada a escorrer, ao açaflor a secar em tabuleiros, às maçãs guardadas em cestos de vimes, com asa, à cal das paredes ancestrais, ao álcool das fermentações…"
19.8.04
Aí vai um pouco do sarau de aniversário
Custa-me acordar, porque me custa sair de mim, voltar ao exterior, ao dia demasiado azul, ao barulho, ao sol sem tempo.
Mas esta manhã, há algo semelhante à noite, ao silêncio, ao teu rosto dentro do meu rosto e é segura – a manhã - para passar à festa de ti.
A lua está já a cair, mas recorta o céu, sobrancelha horizontal, no teu rosto oval. E dói-me sair do calor nu onde me aninho – mãe da madrugada. E curvo-me, a apanhar o silêncio com que faço o itinerário de todos os dias. Como quem apanha frutos para matar a fome. Para matar o tempo que falta queimar. Para matar a morte.
Sou obrigada à rotina da água, à roupa, à rua.
Luísa Ribeiro
13.8.04
gata aniversariante
12.8.04
Parabéns a você nesta ...
Lá estaremos nós os 4 hoje à noite com o 10.º segredo.
Beijinhos. Miauuuuuuu!
4.8.04
La donna delle Azzorre
Romana Petri esteve recentemente nos Açores e falou da sua escrita. Os livros surgem-lhe como uma urgência, da necessidade imediata de os escrever, pelo que não se força a fazê-lo. Assim surgiu A Senhora dos Açores no decurso de uma viagem à ilha do Pico onde se tinha deslocado para, num local calmo, tentar adiantar um romance que tinha entre mãos há cerca de 3 anos. A urgência de escrever esta história fê-la interromper o romance e em poucas semanas surgiu a obra que veio a ser premiada pela crítica italiana com o Prémio Grinzane Cavour para a narrativa italiana, em 2002.
Segundo a autora, uma das características da sua obra é a musicalidade. Ela tenta criar frases musicais e escreve um livro com a intenção da frase poder ser cantada. Tal característica poderá dever-se ao facto de o pai ter sido um cantor lírico e desde muito nova ouvir música, principalmente melodrama, e isso marcou-a ao ponto de tentar sempre cantar as frases dos seus textos.
"Una donna italiana, umbra e insegnante di francese, approda sull’Isola di Pico, nelle Azzorre. Il suo soggiorno è una lenta progressione dello smarrimento dell’anima, dell’alienazione dalla realtà esterna. Abbandonandosi alle suggestioni di un paesaggio straordinario ed esotico e di un popolo a lei estraneo, la protagonista si perde, distaccandosi dai canoni della civiltà occidentale. Vive in uno stato quasi allucinato che trova complicità nell’infinità del mare, nella vegetazione triste e selvaggia dell’Isola. La sofferenza dell’anima sembra quasi proiettarsi e trasfigurarsi sia nell’ampiezza del paesaggio, sia nel vibrante dettaglio dei fiori e dei sassi. Isola e anima diventano un’unica cosa, luogo geografico e metafora esistenziale allo stesso tempo. Realtà e fantasia si compenetrano e l’anima della scrittrice (e quindi la scrittura stessa) passa da esplosioni di felicità iridescente a un vuoto cupo e senza soluzione. Ma una soluzione c’è, come una trama e per quanto suggestivo e fuorviante, questo romanzo approda a una conclusione netta, che non lascia spazio a interpretazioni.
"La donna delle Azzorre (Piemme editore) è l’opera di un’autrice, italiana, Romana Petri, fra le più stimate. E che meglio riesce a rendere sulla pagina gli aspetti più ambigui dell’animo umano. Una lettura che ci distacca dalla quotidianità per trasportarci su altre terre, su altri stati d’animo."
Alberto Grandi
26.7.04
literatura açoriana?
Viu-se um filme, leram-se poemas, partilharam-se livros e no final contaram-se anedotas. O filme: de Rui Melo. Os poetas: Sophia Breyner, Emanuel Félix, Nuno Júdice e Manuel Alegre. As anedotas: pelo inimitável Belarmino Ramos. A conversa: Há uma literatura açoriana?
22.7.04
gatos na galeria
18.7.04
“Nenhum Olhar"
Somos uma agulha de pinheiro diante de um incêndio, somos um grão de terra diante de um terramoto, somos uma gota de orvalho diante de uma tempestade.
Penso: talvez a dor exista para nos avisar de uma dor maior.
Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce e talvez a gente não ande debaixo do céu mas em cima dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu.
Penso: talvez haja uma luz dentro dos homens, talvez uma claridade, talvez os homens não sejam feitos de escuridão, talvez as certezas sejam uma aragem dentro dos homens e talvez os homens sejam as certezas que possuem.
Penso: talvez o sofrimento seja lançado às multidões em punhados e talvez o grosso caia em cima de uns e pouco ou nada em cima de outros.
Penso: o lugar dos homens é uma linha traçada entre o desespero e o silêncio.
Penso: não existir, ser o esquecimento de alguém esquecido para sempre, morrer muitas vezes morto.
Penso: se o castigo que me condena se fechar em mim, se aceitar o castigo que chega e o guardar, se o conseguir segurar cá dentro, talvez não tenha de suportar novos julgamentos, talvez possa descansar.
Penso: talvez eu já não seja este corpo que me tornei, talvez eu já não seja esta forma dentro deste corpo, talvez eu seja eu já morto só a sofrer, sem vontade, só à espera da morte que nunca chegará.
Penso: um dia pode ser mil anos. Penso: ninguém sabe ao certo se passou um ano, ou mil anos, ou uma hora rápida, num dia que passou.
O mundo acabou. E não ficou nada. Nem as certezas. Nem as sombras. Nem as cinzas. Nem os gestos. Nem as palavras. Nem o amor. Nem o lume. Nem o céu. Nem os caminhos. Nem o passado. Nem as ideias. Nem o fumo. O mundo acabou. E não ficou nada. Nenhum sorriso. Nenhum pensamento. Nenhuma esperança. Nenhum consolo. Nenhum olhar.
in PEIXOTO, José Luís, Nenhum Olhar
15.7.04
Sotaque
in BUARQUE, Chico, Budapeste, ed. D. Quixote, 1.ª edição, 2004, p. 99
13.7.04
a confissão de margarida
Depois apareceram os gatos e um blog calçava que nem uma luva para um fórum desta natureza e, numa questão de minutos, preparou-se um blog à nossa medida, que depois foi melhorado em termos gráficos. Os membros inscreviam-se e de quando em vez colocavam aquilo que desejassem partilhar com os restantes. Como somos muitos haveria sempre algo de novo e estava resolvida a grande questão dos blogs – a actualização, a novidade.
De início não foi fácil. Nem todos estavam à vontade com esta nova linguagem de blogar, até lhe chamámos Tiribé para não traumatizar, mas lá foram entrando e colocando os suspiros de alívio por terem passado mais uma etapa na conquista da comunicação blogosférica.
E eu fiquei exuberante por ter conseguido levar uns quantos para uns terrenos que me são favoráveis, contudo as contribuições são inferiores àquilo que se esperava, o que não significa que não vão quase diariamente ao blog verificar se há algo de novo – o site meter informa e até detecta de que computador foi acedido. Estou de olho em vocês!
Para que não se torne demasiado maçador estar sempre a ver o mesmo, conduzindo ao desinteresse, resta-me uma alternativa e que era aquela por onde não gostaria de enveredar, pois, tal como vos disse anteriormente, até tenho o meu próprio blog, e não queria monopolizar isto: é a de começar a mandar diariamente coisas para o Tiribé. Antes de começar a fazê-lo achei que vos devia esta confissão. Se não gostarem do acto resta-vos, no mínimo, duas hipóteses, como tudo na vida, e acho que já perceberam quais são.
3.7.04
Sophia de Mello Breyner Andresen
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
2.7.04
De férias
25.6.04
Leituras a par do tempo que passa
"O suplente finta um, finta outro, passa a bola ao colega, no flanco esquerdo, e sprinta em frente, para o sítio exacto onde o colega, adivinhando as suas intenções, lha coloca de novo. O suplente está frente a frente com a baliza, o guarda-redes sai, tentando fechar o ângulo, e o suplente dá um toque ligeiro, mais em jeito que em força, e a bola faz um arco perfeito sobre o guarda-redes, que ainda se estica, mas não há nada a fazer – a bola entra direitinha na baliza, e o estádio levanta-se todo a anunciar o clímax do desporto-rei: é gooooooooooooooolooooooo!"
21.6.04
A paixão do momento
8.6.04
Páginas
sejam elas
brancas
recicladas
escritas
manuscritas
mate
ou brilhante
falam-te
as páginas
dos livros
impressas
ou por imprimir
trazem-te
o tempo
e o lugar
do encanto
23.5.04
Agustina - Prémio Camões 2004
“Camila mandou calar as mulheres, mas com essa contrariada maneira que é mais alegria do que zanga. Elas envolviam-se com os seus ditos, cochichos e variadas indecências de linguagem que a afugentaram, e a António Clara também. Os risos foram atrás deles como cães briguentos. – Está a criar-se – disse uma das mulheres. Era uma maneira de lhe demonstrar o tempo dos amores que se preparava naquela menina formosa.
“Formosa era, mas não lhe agradava. De facto, era difícil encontrar já um modelo tão antiquado em que a beleza se desperdiçava e tomava aspectos caricatos. Porquue o fora antes adequada fantasia, agora parecia mau gosto e desalinho dessa inteligência dos sentidos que é, de todas, a mais variável. Camila tinha sobrancelhas arqueadas e espessas que podiam ter sido finas como riscos há cinquenta anos, e que voltavam a estar na moda. Antecipando-se um pouco a um uso, as mulheres faziam-se desejáveis. Os Roper, o que mais temiam nas mulheres era esse sentimento de antecipar as coisas. A indumentária, o penteado, mostravam quanto elas experimentavam a imaginação dos homens. Eram mais perigosas vestidas do que nuas. Pedro Daniel era dessa opinião.”
In Agustina Bessa-Luís, Jóia de Família, pág. 94, Lisboa Guimarães editores, 4.ª edição, 2001.
22.5.04
20.5.04
Rotina
ROTINA
Ao abrir a janela do quarto para outras
janelas de outros quartos, ao veres a rua que desemboca
noutras ruas, e as pessoas que se cruzam, no início da
manhã, sem pensarem com quem se cruzam
em cada início da manhã, talvez te apeteça
voltar para dentro, onde ninguém te espera. Mas
o dia nasceu - um outro dia, e a contagem do tempo
começou a partir do momento em que
abriste a janela, e em que todas as janelas
da rua se abriram, como a tua. Então, resta-te
saber com quem te irás cruzar, esta manhã: se
o rosto que vais fixar, por uns instantes, retribuirá
o teu gesto; ou se alguém, no primeiro café que
tomares, te devolverá a mesma inquietação
que saboreias, enquanto esperas que o líquido
arrefeça.
Nuno Júdice
17.5.04
Cultura de massas
O que hoje é um espectáculo para elites foi nalgum tempo um espectáculo de massas. O que hoje é um espectáculo de massas poderá daqui uns séculos ser um espectáculo de elites?
Poder-se-á imaginar um encontro de futebol, no futuro, num recinto diferente, com um público religiosamente atento, calado, e que só aplaude no fim?
Não se falou mas poder-se-ia ter feito referência às danças de carnaval na Ilha Tereira. Que me dizem das suas actuações fora do Carnaval e para turista ver? E os grupos folclóricos, que já são meras reconstituições de danças de eira e de atafona?
Aguardam-se comentários.
15.5.04
Vadio
14.5.04
Surpresa!
11.5.04
Querem saber o que se passou no último encontro?
1. Pedro, Lembrando Inês - um livro de poemas fabuloso de Nuno Júdice
2. Entrevista de Nuno Júdice ao Diário de Notícias
3. Música jazz - Nina Simone, António Pinho Vargas
4. Listagem de temas de A a Z para serem discutidos nos próximos meses
5. Funcionamento dos gatos - 4 actividades por mês (semana a semana): temas em debate, pensão Graciosa, livros, trabalhos práticos
6. Lanche - delícias do 1.º de Maio
7. Questões de uns para os outros
5.5.04
A propósito de viagens
A Cidade Invisível
De que me serviu ir correr mundo,
arrastar, de cidade em cidade, um amor
que pesava mais do que mil malas; mostrar
a mil homens o teu nome escrito em mil
alfabetos e uma estampa do teu rosto
que eu julgava feliz? De que me serviu
recusar esses mil homens, e os outros mil
que fizeram de tudo para parar-me, mil
vezes me penteando as pregas do vestido
cansado de viagens, ou dizendo o seu nome
tão bonito em mil línguas que eu nunca
entenderia? Porque era apenas atrás de ti
que eu corria o mundo, era com a tua voz
nos meus ouvidos que eu arrastava o fardo
do amor de cidade em cidade, o teu nome
nos meus lábios de cidade em cidade, o teu
rosto nos meus olhos durante toda a viagem,
mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.
Maria do Rosário Pereira
Noite em Veneza
Hei-de ir a Veneza no último
barco do crepúsculo. Passearei
na praça inundada um abandono
de sentimentos. Apanharei os frutos
de névoa quando a noite os encher
com o seu peso de inverno. Evitarei
as pontes, os palácios, as pedras,
os percalços dos pombos. Descerei
às caves negras de uma arquitectura
de pó. Abraçar-te-ei nesse chão
de lodo e de limo, penetrando
no ventre da eternidade com os remos
da treva. Perdi o bálsamo adolescente
do sonho. Habito esta Veneza doente:
e junto-me a esses que esperam
que o ponteiro da vida retome
o seu curso no relógio matinal.
Nuno Júdice
4.5.04
3.5.04
a 6.ª que foi sábado até domingo
Prepararam um manjar de legumes, arroz, carne e cravos e celebraram o 25 de Abril, o 1.º de Maio e a entrada de novos países na União Europeia. Regaram com vinho, e pós-manjaram com doces - havia-os de diversas doçuras, cores e texturas. O gato Tchang suspeitou e trouxe uma tarte de maçã, com um truque, que lhe dá um sabor único. Havia molhos à Herberto Helder, Nuno Júdice, Fernando Pessoa, Mário Cabral, etc. Ouviu-se Zeca Afonso, Fausto, Trovante, fados...
Seguiram-se as viagens na literatura, noite dentro.
29.4.04
de Rui Rodrigues
Apetece a maçã na tua mão
apetece o pulso
o braço e o abraço
Apetece a sombra
da maçã à mão
do pescoço ao colo
do silêncio ao coração
Apetece a maçã
a parede a árvore
e o paraíso
Rui Rodrigues
25.4.04
Nova gata
24.4.04
pensão na escrita
Pensão Graciosa (5)
Voltei a passar pela rua, acho mesmo que o fiz de propósito, e deparei com o mesmo movimento, vi a porta aberta e apeteceu-me entrar, recuei, achei que não devia, já não era a minha casa, já não pagava renda por ela, mas a curiosidade era muita. E se eu entrasse? Poderia sempre arranjar uma desculpa, dizer que ia pedir areia para os gatos, que o que vendem por aí nas lojas sai muito caro a uma viúva como eu, com uma pensão de miséria; talvez não estivesse lá ninguém, era hora de almoço, poderiam ter ido ao café. Espreitei. Entrei, sorrateiramente. O mesmo saguão, os mesmos degraus, a mesma madeira no chão. Quantas pessoas já subiram e desceram por estas escadas?
Sim. Quantas? Quantas pessoas usaram o desgaste da madeira, que consome estes degraus? Quantas e quem e quando?
Pergunto-me se haverá ainda por aqui sombras com nomes e com idade; se o tempo tem a mesma demora em todas as casas, em todos os vultos e se em tudo deixa as mesmas marcas.
Mas não. Parece-me que o tempo é original em todos os lados; que as rugas com que me castigou são diferentes da morte que deu ao gato da vizinha e nem é necessário voltar à minha infância para saber que a vida me passou com uma rapidez diferente daquela com que passou pela minha irmã – mulher de sorriso sem bolor; mulher que corre nos círculos dos netos usando gargalhadas tão estridentes como as deles.
Sempre invejei o brilho da pele com que a minha irmã recebia os beijos estridentes de toda a família, enquanto eu passava despercebida, rente aos folhos vistosos do vestidos modernos que a minha mãe lhe fazia, durante a noite, com a pálida luz dum candeeiro que cheirava a petróleo.
E aquele cheiro fazia-me mal, porque eu não sabia que se chamava inveja.
Mais tarde, quando o sol já lhes tinha comido a cor, passavam para mim e ficavam-me sempre curtos ou apertados ou feios – os vestidos da minha irmã.
Também as conversas que ela tinha, eram levadas para o pátio, onde os adultos se reuniam depois do jantar e enquanto eu esfregava pratos gordurosos, escutava os elogios que surgiam em voz alta, como se o mundo todo rodasse à volta das tolices que a minha irmã fazia. E rodava. Rodava tanto como as saias que o vento lhe libertava das pernas bem feitas. Rodava o mundo e rodava a família.
Eu é que dançava sozinha no escuro da noite e chorava e sofria ao som da alegria das minhas primas e de todos. De todos sempre juntos, longe de mim.
Chorava e ainda choro e às vezes grito nomes fortes, feitos de raiva, sem perdão.
Grito os mesmos nomes que os outros me chamavam, quando trancada na infância, recolhia mágoas ferozes, que fizeram da minha memória um monte de destroços irreparáveis.
Um monte de destroços é esta casa por onde agora passo.
Parece-me que inventaram outros quartos no rés-do-chão. Agora há mais. Pedra e terra e pó, é o que enche o passeio. Uma nuvem escura sai pelas portas abertas. Uma nuvem dura. Muscular.
Sinto-me tentada a entrar. A abrir os cadeados da juventude que aqui passei. Os cadeados deste abrigo que me deu colo às feridas da infância. Esta casa cofre forte. Estas paredes de fantasmas quase afagáveis. Este ninho que me deu história. Esta minha vida. Esta minha vã alegria...
Subo devagar, degrau a degrau. Deparo com as ainda visíveis marcas dos meus filhos: jogos do galo arranhados no chão, riscos na parede para medir a altura, nomes das namoradinhas da escola primária… Tudo me parece tão vivo nesta casa! O cheiro a bolas de naftalina jamais desaparecerá destas paredes húmidas. Ando pelo corredor e vejo de olhos fechados tudo no mesmo lugar: os quadros, as fotografias da família (ainda unida) os móveis…
Foram tantos os anos aqui vividos que não os posso apagar assim da memória. Olho para a janela, donde vejo o quintal do senhor Martins. Não deve também ele morar mais ali, pois já não vejo as ferramentas, nem as tábuas de madeira que usava para construir os brinquedos que tanto entusiasmavam os miúdos da cidade.
Entro no meu antigo quarto, onde de real nada sobra. Algo me empurra a abrir o armário da dispensa e, para meu espanto, lá está o espelho. Arrasto-o para o lugar, com certa dificuldade, devido à minha fraqueza de viúva; não sei o que faço. Olho-me, mas não é o meu corpo que está ali, antes o da jovem que fui, o da jovem que viveu naquele quarto. Os espelhos são espiões, vigiam tudo, guardam tudo, duplicam as nossas vidas. Eis que entra pelo meu quarto dentro o meu filho de quatro anos para beijar o seu irmão, escondido dentro do meu corpo, por enquanto. O já falecido dorme ainda na cama, como se já estivesse morto, como se ainda estivesse vivo. Só o espelho conheceu o meu amante. Sorrio à imagem dele a saltar pela janela, quando o falecido ia à Graciosa ver a família ou tratar de assuntos burocráticos das heranças, dos terrenos e mais terrenos… coisas de herdeiro. Amávamo-nos no mais puro silêncio da noite em frente àquele eco do nosso amor. E o eco repercute agora em mim a nostalgia… espelho, espelho meu, em ti meu corpo se foi desfigurando gravidez a gravidez, cinco, para só dois sucessos machos.
Senhora? O que faz aqui? Ah, desculpe, e eu, eu… Eu vim saber se tinham areia para os gatos e como ouvi ruídos cá em cima atrevi-me a subir. Com uma delicadeza subtil, respondeu: Sim, claro, venha comigo que tenho areia acabadinha de ser passada pelo joeiro. Saiu sem sequer reparar no espelho, eu assustada que visse nele aquilo que ele me revelava. Segui-o pelo corredor e quase tropecei no mesmíssimo taco levantado no mesmíssimo lugar, o mesmo que ceifou a vida da minha nora mais nova. Corro, então, pelas escadas abaixo e saio em pânico daquela casa assombrada, fujo do meu passado, fujo de mim.
Ainda ouço atrás de mim: Senhora? Aqui tem a areia para os seus gatinhos… Senhora? Onde está? João, viste a mulher que estava comigo? Mulher, eu?! Quem me dera!
Tem a certeza que nunca ninguém lhe referiu este facto? Claro que tenho. E agradeço-lhe que pare com esta história. Isto pode dar-me cabo do negócio. E, no entanto, vejo-a todas as noites. Acordo com a sensação de que alguém me observa. E há aquele perfume…Da primeira vez gelei de horror; depois fui-me habituando e, se quer que lhe diga com muita sinceridade, acontece-me esperar, lendo, pela hora exacta em que se revela: três da madrugada, ao tocar do relógio da Sé. Atravessa a porta, levitando. Tem um vestido branco, à moda do princípio do século passado. É alta e morena e fala, fala, fala… só que não consigo ouvir o que diz. Sorri. Insiste para que a entenda. Mostra-me a mão esquerda. Então, desistindo, vira-se de perfil e compreendo que está grávida. Marca o seio com ambas as mãos, uma por baixo e outra por cima, olhando-me de frente. Acaba por sair, desiludida por não a ter compreendido. Tem a senhora alguma ideia de quem seja? Diga-me o senhor uma coisa: traz aliança? Claro!, é isso! Como é que não cheguei lá sozinho? Não tem aliança! Mãe solteira!
Emília. O nome dela é Emília. Da Graciosa. Morreu antes de ser mãe. Está proibido de contar esta história seja a quem for! Quer que o mude de quarto? Nem pense nisso! Insisto, não se acanhe! Por quem é! Não desisto enquanto não descobrir o que me tem para contar. Acredita em fantasmas? Acredita que vêm pedir auxílio aos que permanecem vivos? O que eu acredito é que seria muito mais razoável que se deixasse desta maluqueira. Faça-me este favor, não me desgrace.
Manuel Oliveira era um homem abastado e exacerbadamente metódico, qualidade esta rara naquela época. Sempre que regressava sozinho à sua terra natal, a Graciosa, para resolver os assuntos das heranças, tentava arranjar maneira de se encontrar com Emília, uma jovem pobre e muito formosa. Era de uma beleza natural e delicada. Não se sabe se o que mais o encantava naquela moça era a subtileza da sua figura esbelta ou o facto de sentir prazer ao transgredir as normas sociais. A verdade é que se amavam apaixonadamente pela noite dentro, com a esperança de retardar o mais possível o amanhecer de um novo dia, em que tinham de se afastar um do outro para não esmagarem a hierarquia social.
Mas diga-me. Por favor, peço-lhe! Prometo não contar a ninguém. Não tenho intenção nenhuma de lhe prejudicar o negócio. Pode ter a certeza. Trata-se de mera curiosidade.
Não insista. É um segredo de família. Prometi não contar a ninguém.
Mas percebo tão bem o que sente. Nem imagina – pensou ela. Há uns anos, quando me instalei nesta casa, também era surpreendida por Emília nos meus sonhos. Por vezes, ela parecia-me tão real que eu costumava acordar a meio da noite a imaginar-me na Graciosa quando visitava a minha prima e ela vinha servir-nos o chá, acompanhado das tradicionais queijadas deliciosas. Confesso que Maria Augusta a tratava muito mal… Fazia dela sua escrava e a moça obedecia-lhe sem pestanejar, mesmo quando estava perto a dar à luz e mal se arrastava pela casa. No entanto, era Emília que cozinhava para toda a família e limpava o pó. Pobre mulher! O destino foi-lhe ingrato e, ainda hoje, é com lágrimas nos olhos que me recordo daquela humilde e pura donzela.
23.4.04
Confias no incerto amanhã? Entregas
às sombras do acaso a resposta inadiável?
Aceitas que a diurna inquietação da alma
substitua o riso claro de um corpo
que te exige o prazer? Fogem-te, por entre os dedos,
os instantes; e nos lábios dessa que amaste
morre um fim de frase, deixando a dúvida
definitiva. Um nome inútil persegue a tua memória,
para que o roubes ao sono dos sentidos. Porém,
nenhum rosto lhe dá a forma que desejarias;
e abraças a própria figura do vazio. Então,
por que esperas para sair ao encontro da vida,
do sopro quente da primavera, das margens
visíveis do humano? "Não", dizes, "nada me obrigará
à renúncia de mim próprio - nem esse olhar
que me oferece o leito profundo da sua imagem!"
Louco, ignora que o destino, por vezes,
se confunde com a brevidade do verso.
Nuno Júdice
Dia Mundial do Livro
Queria escrever
trajecto
viagem
afecto
para ti
bilhete
carta
romance
-te
e escrevi livro
18.4.04
Literatura de viagens
Dacosta, poeta - no Museu
título da conferência: "Impressões, Invocações, Narrações e Lengalengas", a partir do livro "A Cal dos Muros".
Ficámos a saber mais.
Sejam bem aparecidos!
11.4.04
Sexta-feira - Chocolate - o filme
Estiveram presentes muitos miragatos residentes e 3 convidados que partilharam connosco o doce amargo dos primeiros meses de Vianne na pequena aldeia francesa, para onde foi abrir uma Chocolaterie.
A acção decorre precisamente no período da Quaresma, entre o Entrudo e o Dia de Páscoa. Por isso, não poderia ter sido melhor escolha.
No serão, partilhámos chocolates, recheados e em bolinhas, línguas de gato e um folar, acompanhados do tradicional chá. Foi de fazer inveja aos gatos ausentes.
Chocolate é um filme de Lasse Hallström (Miramax, 2001, guião de Robert Nelson Jacobs), inspirado no livro homónimo de Joanne Harris.
Joanne Harris nasceu em Yorkshire, Inglaterra, em 1964. É filha de mãe francesa e de pai inglês.
Estudou línguas modernas e medievais, no Saint Catharine's College, Cambridge, teve várias profissões, exercendo durante 12 anos como professora de francês, em Leeds.
Publicou o seu primeiro romance em 1989 - The Evil Seed. Posteriormente, escreveu Sleep, Pale Sister (1993); Chocolat (1999); Blackberry Wine (2000); Five Quarters of the Orange (2001), Coastliners (2002), The French Kitchen (2002), Holy Fools (2003) e Jigs and Reels (2004).
Joanne deixou de dar aulas a tempo inteiro e ainda vive em Yorkshire com o marido, a filha de 10 anos, Anouchka, e 2001 coelhos invisíveis.
26.3.04
1.º atalho - Dia Mundial da Poesia
Um dia, num café, ouvi uma mulher dizer
o poema de Florbela Espanca que começa «Eu quero amar,
amar perdidamente...»; e enquanto ela o dizia, eu
tentava ouvir na sua voz a voz de Florbela. Mas essa mulher
tinha a voz rouca, o que talvez se
devesse ao facto de ser professora,
e ter de gritar nas suas aulas, de manhã, para
que os alunos a pudessem ouvir. Nesse tempo de inverno, e
de turmas grandes, era preciso forçar a voz para
que o degelo se fizesse, e as crianças entrassem
nos números e na gramática. Por isso, a mulher
que dizia o poema de Florbela
fazia com que fosse, ela própria, o
poema de Florbela. E é assim, ainda hoje que o ouço:
dito, numa antiga tarde de inverno, por uma mulher
que o recitava como se estivesse a
ensinar um bê-a-bá da vida a quem, no café, não esperava
ouvir, entre a leitura do jornal e a conversa em voz baixa,
a mais elementar das verdades. O desejo de amar,
amar perdidamente, como Florbela, numa perdida esquina
da memória.
Nuno Júdice
in Cartografia de Emoções
O poema é para ver-se
ler-se
(às vezes ouvir-se)
mas
sobretudo
adivinhar-se
o poeta é
uma sombra
um perfil
um desaparecimento
mas
sobretudo
a despedida mão feita poema
HATERLY, Ana
in O Cisne intacto; outras metáforas
Catorze versos
"Soneto nunca foi boa poética"
catorze versos são uma prisão
e monótona é sempre a mesma métrica
soneto nunca foi grande invenção.
Mas em soneto Guido conversou com Dante
catorze versos da Toscana e neles estão
o amor eterno e a eternidade do instante
do soneto nasceu uma nação.
Outra é a música da fonte de castália
catorze versos são monotonia
sem épica nem harpa nem canção.
Do soneto nasceu talvez Itália
dai-me de novo o mar e a nostalgia
catorze versos são uma prisão.
Manuel Alegre
in Obra poética