26.3.04

1.º atalho - Dia Mundial da Poesia

Um soneto de Florbela

Um dia, num café, ouvi uma mulher dizer
o poema de Florbela Espanca que começa «Eu quero amar,
amar perdidamente...»; e enquanto ela o dizia, eu
tentava ouvir na sua voz a voz de Florbela. Mas essa mulher
tinha a voz rouca, o que talvez se
devesse ao facto de ser professora,
e ter de gritar nas suas aulas, de manhã, para
que os alunos a pudessem ouvir. Nesse tempo de inverno, e
de turmas grandes, era preciso forçar a voz para
que o degelo se fizesse, e as crianças entrassem
nos números e na gramática. Por isso, a mulher
que dizia o poema de Florbela
fazia com que fosse, ela própria, o
poema de Florbela. E é assim, ainda hoje que o ouço:
dito, numa antiga tarde de inverno, por uma mulher
que o recitava como se estivesse a
ensinar um bê-a-bá da vida a quem, no café, não esperava
ouvir, entre a leitura do jornal e a conversa em voz baixa,
a mais elementar das verdades. O desejo de amar,
amar perdidamente, como Florbela, numa perdida esquina
da memória.

Nuno Júdice
in Cartografia de Emoções


O poema é para ver-se
ler-se
(às vezes ouvir-se)
mas
sobretudo
adivinhar-se
o poeta é
uma sombra
um perfil
um desaparecimento
mas
sobretudo
a despedida mão feita poema

HATERLY, Ana
in O Cisne intacto; outras metáforas


Catorze versos

"Soneto nunca foi boa poética"
catorze versos são uma prisão
e monótona é sempre a mesma métrica
soneto nunca foi grande invenção.

Mas em soneto Guido conversou com Dante
catorze versos da Toscana e neles estão
o amor eterno e a eternidade do instante
do soneto nasceu uma nação.

Outra é a música da fonte de castália
catorze versos são monotonia
sem épica nem harpa nem canção.

Do soneto nasceu talvez Itália
dai-me de novo o mar e a nostalgia
catorze versos são uma prisão.

Manuel Alegre
in Obra poética

25.3.04

3.º atalho - termo de abertura

Hoje, 25 de Março de 2004, pelas 14:00, na casadascinco, a recuperar de uma gastroenterite, que poderei ter contraído na Boda de Félix, e como não sei passar um dia sem me debruçar no computador, optei por dar início a este blog, mesmo sabendo que o Mário não alinha em blogs. Mas ele vai mudar de ideias. Não lhe vamos chamar blog - vamos dar-lhe um nome, tipo Tiribé, e depois dizemos: "Já leste no Tiribé?", "Escreve no Tiribé", "Pergunta ao Tiribé".