23.5.04

Agustina - Prémio Camões 2004

Camila
“Camila mandou calar as mulheres, mas com essa contrariada maneira que é mais alegria do que zanga. Elas envolviam-se com os seus ditos, cochichos e variadas indecências de linguagem que a afugentaram, e a António Clara também. Os risos foram atrás deles como cães briguentos. – Está a criar-se – disse uma das mulheres. Era uma maneira de lhe demonstrar o tempo dos amores que se preparava naquela menina formosa.
“Formosa era, mas não lhe agradava. De facto, era difícil encontrar já um modelo tão antiquado em que a beleza se desperdiçava e tomava aspectos caricatos. Porquue o fora antes adequada fantasia, agora parecia mau gosto e desalinho dessa inteligência dos sentidos que é, de todas, a mais variável. Camila tinha sobrancelhas arqueadas e espessas que podiam ter sido finas como riscos há cinquenta anos, e que voltavam a estar na moda. Antecipando-se um pouco a um uso, as mulheres faziam-se desejáveis. Os Roper, o que mais temiam nas mulheres era esse sentimento de antecipar as coisas. A indumentária, o penteado, mostravam quanto elas experimentavam a imaginação dos homens. Eram mais perigosas vestidas do que nuas. Pedro Daniel era dessa opinião.”

In Agustina Bessa-Luís, Jóia de Família, pág. 94, Lisboa Guimarães editores, 4.ª edição, 2001.

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