20.5.07

OFERTA

O que tenho para te dar? Uma gramática de sentimentos,
verbos sem o complemento de uma vida, os substantivos
mais pobres de um vocabulário íntimo - o amor, o desejo,
a ausência. Que frase construiremos com tão pouco? A
que léxico de paciência iremos roubar o que nos falta?

Então, ofereço-te uma outra casa. As paredes têm a
consistência do verso; o tecto, o peso de uma estrofe.
Abro-te as suas portas; e o sol entra pela janela de
uma sílaba, com o seu fogo vocálico, como se uma
palavra pudesse aquecer o frio que te envolve.

E pergunto-te: que outras palavras queres? A música
sonora de um ócio? O espesso manto com que o veludo
se escreve? O fundo luminoso do azul? Poderia dar-te
todas as palavras na caixa do poema; ou emprestar-te
o canto efémero em que se escondem do mundo.

Mas não é isso que me pedes. E a vida que pulsa
por entre advérbios e adjectivos esfuma-se depressa,
quando procuramos seguir a linha do verso. O que fica?,
perguntas-me. Um encontro no canto da memoria. Risos,
lágrimas, o terno murmúrio da noite. Nada, e tudo.

Nuno Júdice, in O Estado dos Campos

7.5.07

domingos

Creio que domingo, ou domingos, tal como os feriados, possam vir a ser excelentes temas de poesia.
Os domingos dos passeios tristes
os domingos tristes
os domingos cinzentos
nem sempre chuvosos
os domingos de ressaca
os domingos na cama
os domingos de preparação de
actividades para toda a semana
os domingos das tarefas domésticas
por oposição
aos domingos de nada fazer
por opção
pelo descanso
e reposição
de energias
o domingo estupidificante de passeio ao
centro comercial
o domingo que
o domingo

Também há aquele domingo fantástico, mas não sei se valerá a pena falar dele.