Não, não estamos perante plágio. "Cesariny re-escreve parodisticamente alguns textos de Pessoa, citando-os 'ipsis verbis'". Este é um excelente exemplo que se encontrava hoje no meu poemário 2005 e que me pareceu o poema de Pessoa. Após confirmação em letras&Letras pude confirmar que "Quem te disse ao ouvido êsse segredo" transcreve quase literalmente o texto poético de Pessoa ortónimo que tem por título "Intervalo". Segundo J. Cândido Martins (Universidade Católica Portuguesa – Braga) "mais do que uma forma de 'plágio de derisão', este texto de Cesariny é uma revolucionária e destruidora forma de reescrita". Resta-nos descobrir as diferenças e o porquê delas.
INTERVALO
Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?
Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?
Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?
Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?
Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca –
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.
Fernando Pessoa
Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado –
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?
Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque o não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?
Ou foi só que o sonhaste e eu te sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só cobri
De sonhos que nem sei?
Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente?
Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos frouxamente disse
A frase eterna, imerecida e louca
- A que os ninfos esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.
Mário Cesariny (1923)
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