Fórum independente vocacionado para a discussão de ideias e promoção de todo o género de eventos culturais e de intervenção cívica.
Os gatos reunem todas as Sextas-feiras, na Miragaia, em Angra do Heroísmo.
23.5.04
Agustina - Prémio Camões 2004
“Camila mandou calar as mulheres, mas com essa contrariada maneira que é mais alegria do que zanga. Elas envolviam-se com os seus ditos, cochichos e variadas indecências de linguagem que a afugentaram, e a António Clara também. Os risos foram atrás deles como cães briguentos. – Está a criar-se – disse uma das mulheres. Era uma maneira de lhe demonstrar o tempo dos amores que se preparava naquela menina formosa.
“Formosa era, mas não lhe agradava. De facto, era difícil encontrar já um modelo tão antiquado em que a beleza se desperdiçava e tomava aspectos caricatos. Porquue o fora antes adequada fantasia, agora parecia mau gosto e desalinho dessa inteligência dos sentidos que é, de todas, a mais variável. Camila tinha sobrancelhas arqueadas e espessas que podiam ter sido finas como riscos há cinquenta anos, e que voltavam a estar na moda. Antecipando-se um pouco a um uso, as mulheres faziam-se desejáveis. Os Roper, o que mais temiam nas mulheres era esse sentimento de antecipar as coisas. A indumentária, o penteado, mostravam quanto elas experimentavam a imaginação dos homens. Eram mais perigosas vestidas do que nuas. Pedro Daniel era dessa opinião.”
In Agustina Bessa-Luís, Jóia de Família, pág. 94, Lisboa Guimarães editores, 4.ª edição, 2001.
22.5.04
20.5.04
Rotina
ROTINA
Ao abrir a janela do quarto para outras
janelas de outros quartos, ao veres a rua que desemboca
noutras ruas, e as pessoas que se cruzam, no início da
manhã, sem pensarem com quem se cruzam
em cada início da manhã, talvez te apeteça
voltar para dentro, onde ninguém te espera. Mas
o dia nasceu - um outro dia, e a contagem do tempo
começou a partir do momento em que
abriste a janela, e em que todas as janelas
da rua se abriram, como a tua. Então, resta-te
saber com quem te irás cruzar, esta manhã: se
o rosto que vais fixar, por uns instantes, retribuirá
o teu gesto; ou se alguém, no primeiro café que
tomares, te devolverá a mesma inquietação
que saboreias, enquanto esperas que o líquido
arrefeça.
Nuno Júdice
17.5.04
Cultura de massas
O que hoje é um espectáculo para elites foi nalgum tempo um espectáculo de massas. O que hoje é um espectáculo de massas poderá daqui uns séculos ser um espectáculo de elites?
Poder-se-á imaginar um encontro de futebol, no futuro, num recinto diferente, com um público religiosamente atento, calado, e que só aplaude no fim?
Não se falou mas poder-se-ia ter feito referência às danças de carnaval na Ilha Tereira. Que me dizem das suas actuações fora do Carnaval e para turista ver? E os grupos folclóricos, que já são meras reconstituições de danças de eira e de atafona?
Aguardam-se comentários.
15.5.04
Vadio
14.5.04
Surpresa!
11.5.04
Querem saber o que se passou no último encontro?
1. Pedro, Lembrando Inês - um livro de poemas fabuloso de Nuno Júdice
2. Entrevista de Nuno Júdice ao Diário de Notícias
3. Música jazz - Nina Simone, António Pinho Vargas
4. Listagem de temas de A a Z para serem discutidos nos próximos meses
5. Funcionamento dos gatos - 4 actividades por mês (semana a semana): temas em debate, pensão Graciosa, livros, trabalhos práticos
6. Lanche - delícias do 1.º de Maio
7. Questões de uns para os outros
5.5.04
A propósito de viagens
A Cidade Invisível
De que me serviu ir correr mundo,
arrastar, de cidade em cidade, um amor
que pesava mais do que mil malas; mostrar
a mil homens o teu nome escrito em mil
alfabetos e uma estampa do teu rosto
que eu julgava feliz? De que me serviu
recusar esses mil homens, e os outros mil
que fizeram de tudo para parar-me, mil
vezes me penteando as pregas do vestido
cansado de viagens, ou dizendo o seu nome
tão bonito em mil línguas que eu nunca
entenderia? Porque era apenas atrás de ti
que eu corria o mundo, era com a tua voz
nos meus ouvidos que eu arrastava o fardo
do amor de cidade em cidade, o teu nome
nos meus lábios de cidade em cidade, o teu
rosto nos meus olhos durante toda a viagem,
mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.
Maria do Rosário Pereira
Noite em Veneza
Hei-de ir a Veneza no último
barco do crepúsculo. Passearei
na praça inundada um abandono
de sentimentos. Apanharei os frutos
de névoa quando a noite os encher
com o seu peso de inverno. Evitarei
as pontes, os palácios, as pedras,
os percalços dos pombos. Descerei
às caves negras de uma arquitectura
de pó. Abraçar-te-ei nesse chão
de lodo e de limo, penetrando
no ventre da eternidade com os remos
da treva. Perdi o bálsamo adolescente
do sonho. Habito esta Veneza doente:
e junto-me a esses que esperam
que o ponteiro da vida retome
o seu curso no relógio matinal.
Nuno Júdice
4.5.04
3.5.04
a 6.ª que foi sábado até domingo
Prepararam um manjar de legumes, arroz, carne e cravos e celebraram o 25 de Abril, o 1.º de Maio e a entrada de novos países na União Europeia. Regaram com vinho, e pós-manjaram com doces - havia-os de diversas doçuras, cores e texturas. O gato Tchang suspeitou e trouxe uma tarte de maçã, com um truque, que lhe dá um sabor único. Havia molhos à Herberto Helder, Nuno Júdice, Fernando Pessoa, Mário Cabral, etc. Ouviu-se Zeca Afonso, Fausto, Trovante, fados...
Seguiram-se as viagens na literatura, noite dentro.