"Para algum imigrante, o sotaque pode ser uma desforra, um modo de maltratar a língua que o constrange. Da língua que não estima, ele mastigará as palavras bastantes ao seu ofício ao dia-a-dia, sempre as mesmas palavras, nem uma a mais. E mesmo essas, haverá de esquecer no fim da vida, para voltar ao vocabulário da infância. Assim como se esquece o nome de pessoas próximas, quando a memória começa a perder água, como uma piscina se esvazia aos poucos, como se esquece o dia de ontem e se retêm as lembranças mais profundas. Mas para quem adotou uma nova língua, como uma mãe que se selecionasse, para quem procurou e amou todas as palavras, a persistência de um sotaque era um castigo injusto
in BUARQUE, Chico, Budapeste, ed. D. Quixote, 1.ª edição, 2004, p. 99
1 comentário:
um sorriso de obrigado pela delicia de texto...:)
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