3.7.05

SONETO AMOROSO

Dar sempre chama, sem me desfazer;
após sempre chorar, não me acabar;
após tanto correr, não me cansar;
e após sempre viver, jamais morrer;

depois do mal jamais me arrepender;
de tanto engano, não me desenganar;
depois de tanta dor, não me alegrar;
nunca me rir, após tanto sofrer;

em tantos labirintos, não perder-me,
nem após tanto olvido, ter lembrado
- que fim alegre pode prometer-me?

Antes morto estarei que escarmentado:
já não penso tratar de defender-me,
se não ser deveras desgraçado.

Francisco de Quevedo (1580-1645)
Antologia Poética
(tradução de José Bento)

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